quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

ABC DO CHORINHO

Autor: Joseilton Ferreira
Arte: Daniel Santana


Apruma o pandeiro
Afina o bandolim
Chama o sete-cordas
Que a noite é sem fim 
Só faltam o cavaco
A flauta e o violão
Chora que alegra
Esse coração.

Bem brasileirinho
Que bate calado
Para ouvir Joaquim
Tocando afinado
Com o seu Regional,
Na lapela uma flor,
De pétalas, notas
                       Que cheiram amor.                      

Convida a lua cheia
As estrelas pro fuá
Na pança do sol
Velhaco a roncar,
Não só demorou
De nascer o dia
O Brasil de manhã
                                        Tal qual não seria.                                       

                        Desde que aportou                      
No Rio de Janeiro
No porto do Paço
O rei Dom João VI
Enxotado co'a corte
Pelo Napoleão
Trazendo horizontes
De uma nova canção.

Erguia-se o país
Como novo império
Mesmo tendo um rei
Não levado a sério
No mais, de bom mesmo
Foram as novidades
E não eram espelhos...
Mal coube a cidade.
                                                                   
Foi o tempo dos bailes
Das polcas, modinhas
Com seus clarinetes
Em novas melodias
Dó, Ré, Mi, Fá, Sól
Lá, Si nunca se ouviu
Nem mesmo um violão
Nunca aqui se viu.

Gozava o país
De um certo “estato”
Enfim o fim do tráfico
Começava outro ato
Entrando na cena
De salto e peruca
A nova classe média
Do Leblon a Urca

Havia talvez certa
Digamos vontade
Por parte dos ricos
Sabendo que em parte
Foi a imagem do rei...
Varreram o covil
Pintou o parlamen
                              Corou-se o Brasil.                                        

Ia-se um novo país
Mesmo ainda levando
O império em suas costas
Aos poucos se afinando
Na aba do vestido
De uma Chiquinha Gonzaga
Cortando com o piano
Uma enorme jaca.

Junta com Viriato
E outros tantos amigos
Do maestro Calado
Sem temer perigo,
Eles não fundaram
Só um Regional
Mas sim todo um jeito
De ser musical. 

K-Ximbinho de frauda
Nem se quer sonhava
Com seu clarinete
Mas quando chorava 
Já era sonoroso,
Como ele nascia
Também o Choro
Que nele crescia.

Lundum com cachaça
Numa taça de polca 
Dançando uma valsa
Dentro da maloca
Ouvindo Anacleto
Rasgar o coração
Soprando na flauta
Um choro-canção

Mas se vier a ressaca
Tango brasileiro
No piano do Ernesto
Tocando Brejeiro
Pro seu Cavaquinho
(Que de noite chora
Seu primeiro amor
Que foi cedo embora)

Não sem um café
Antes co'nicotina
Lembrando da lua
No céu cristalina
Com João Pernambuco
Vindo do sertão
No violão trazendo
Som de carrilhão.

O Zequinha de Abreu
Ainda não chegou
Co'o bolo de fubá
Que a patroa aprontou
Ou foi o tico-tico
Ou ta com o Beethoven
Se prestarem audição
Ouçam se não ouvem

Pixinguinha já pôs
Pro almoço a mesa
Donga também veio
Abrilhantar a ceia
Pra oito batutas
E quem mais chegar
Pode puxar um banco
Vamo-nos sentar.

Que saco vazio 
Não se põe de pé
Sabe o Benedito
Prevenido que é
Quando ta no ataque
Se o jogo não empata 
Vai dar um a zero 
                                     Cobrindo de flauta                                      

Reclame o Garoto
No banjo lá fora
Se deixar esfria...
Oh! Nossa Senhora
Vira janta o almoço
Teve a quem puxar
O irmão é outro
Foi o pai incentivar...

Salve o professor
Dilermando Reis
Nessa humilde casa
Tão estreita prum rei
Que a faz tão larga
Feito fogo em palha
(Tal qual suas escalas)
Que o vento espalha.

Traz ho! Esse, menino!
Do Zé da quitanda
Rapé e Paraty
Se apresse, guri, anda!
De lá, no Jacob
Tá ele te esperando
Com um doce de coco
Não fique ai me olhando.

Um verso me passa...
Vejo o por do dia
Mas não o poema
Nem a melodia:
Não chora o cavaco
Sem ter um Waldir
Nem chora o pandeiro
Sem Cacau daqui.

Waldir mais não morre!
Não tava jazzzando
Ontem nos Istaites?
- Foi o choro cheirando...
E já me cansei 
De Bigmecblefe
- Deixemos d’milongas
E logo se ajeite.

Vem cá, Altamiro
Foi bom cê passar
Não só pela boa hora
Santa de almoçar,
To aqui me prendendo
Me espere só um tanto
E esses bancos entregue
     A quem for entrando.      

- Xi... e pode menino?
- Qual menino o que...
- Olhe para baixo
Veja por você
- Esse é o Rafael 
Podem deixar
Está este comigo
- Com Dino pode entrar!

Yemanjá abençoe
Essa mesa farta
E ao grande maestro
Ergamos as taças
Aquele que ergueu 
O povo brasileiro
Num tremzinho caipira
Pelo mundo inteiro.

Zunindo qual canto
Que a cigarra rasga
Pois quando canta
Até a alma propaga
Foi esse nosso amigo
Heitor Villa-lobos
Que quatorze alegrias
Trouxe ao nosso Choros. 


Joseilton Ferreira com o Grupo Casa Verde no D´Venetta (Salvador, Bahia, Brasil) lê o ABC do Chorinho.


   
        Imagem: Flavia Maciel